segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Os médicos e as receitas


Agora vou entrar num verdadeiro campo de batalha.

Perdoem-me os nossos ilustres médicos, que eu muito respeito, mas não podia ficar indiferente e perder a oportunidade de os alertar para algumas das “dores de cabeça” que me provocaram e a tantos outros colegas.

Apesar de tantos anos de estudo, parecem ter esquecido como é bonito saber escrever para que os outros leiam. É que estamos a falar de receitas, de saúde, de pessoas…

Será que há algo mais importante que a nossa saúde?

Eu penso que não, portanto vamos tratá-la como assunto sério que é, onde não se admitem negligências.

Quando se fala em “letra de médico” não é propriamente com um sentido abonatório, mas sim depreciativo pelo facto de na maioria dos casos não se conseguir ler.

É certo que, com a prática e o hábito, nós, profissionais de farmácia, já temos alguma facilidade em descodificar o que está escrito. Mas, e quando é alguém inexperiente que nunca viu aquela letra à frente???

É muito complicado, acreditem, e o pior é a desconfiança com que alguns doentes ficam, duvidando se estamos a ler bem…

Nalguns casos só conseguimos “adivinhar” o medicamento prescrito após muito esforço, umas vezes com a ajuda do doente que sabe qualquer coisa sobre ele (nome, cor da embalagem, ou a que se destina), outras pelo histórico que existe na ficha de cliente da farmácia. E quando não temos essas ajudas?

Quando isso acontece ou existe dúvida só nos resta contactar o médico prescritor, o que nem sempre é fácil, pois grande parte das vezes ele já não está no local da consulta, obrigando-nos a aguardar pelo dia seguinte para nova tentativa de esclarecimento.

Em casos de receituário do hospital há sempre a possibilidade de outro colega aceder ao processo do doente. Todavia, nem aqui os resultados são os mais perfeitos, pois algumas vezes o médico não escreve a prescrição na ficha clínica, deixando-nos mais uma vez na mão!...

Mas ainda me falta falar da situação em que acedemos ao médico e já nem ele próprio consegue ler o que escreveu!...

Sim, é verdade!

Sim, isto acontece variadas vezes!

Sim, assim vai o receituário manuscrito em Portugal!...

Vamos tentar fazer algo de novo…

…Pela nossa saúde!

Dada a sensibilidade do tema, não vou comentar individualmente cada receita, limitar-me-ei a esclarecer o que se devia ler em cada uma delas.

Podemos começar por comparar como escreve o médico




... e como escreve o doente
Thyrax


Norflex cp grd
Diprofos seringa

Dogmatil cp grd
Artane
2mg


Dafalgan 1g
grd



Prosedar 15 mg
comp





Nota:
Este é o último capítulo, mas também o mais extenso e pelo que já me apercebi (isto encrencou uma vez mais...) vou ser obrigada a dividi-lo...

Uma receita invulgar

Nem todas as receitas podem ser aviadas na farmácia, principalmente quando são invulgares como esta!...

Parece que há casos clínicos que não precisam de medicamentos, o que é bom desde que se saiba o que aconselhar em alternativa!...

No caso de uma neurose a solução é simples…

Para os devidos efeitos se declara que este militar anda a fazer tratamento psiquiátrico. Trata-se de um neurótico. É aconselhável do ponto de vista psiquiátrico que descanse um dia por semana e dê umas “penachadas”, com os devidos cuidados higiénicos, que em parte contribuirão para a resolução da sua neurose.”

Estamos perante o aconselhamento feito por um médico psiquiatra a um militar de serviço em Moçambique. Entretanto, como não são definidas todas as condições do tratamento têm a resposta do Coronel Médico


Analisado o relatório médico ……………., considerando que no referido relatório se menciona:

1º - Que o Furriel Militar ………….., beneficiará com o descanso de um dia por semana.

2º - Que é aconselhável que dê umas “penachadas” com os devidos cuidados higiénicos, considerando por outro lado a que no mesmo relatório não é mencionado qual a frequência aconselhável das ditas “penachadas”, nem quais os cuidados higiénicos que o Psiquiatra preconiza, é esta chefia de parecer que:

1- Deverá ser distribuído trabalho a este Furriel Militar aos sábados à tarde para reduzir o seu descanso a um dia por semana como é preconizado.

2- O Médico Psiquiatra deverá definir os dias e frequência das “penachadas” propostas e assegurar-se “in loco” e “de viso” que o interessado tomou todas as medidas higiénicas que ele lhe indicar.

3- A apresentação para a medida deverá ser acompanhada de guia de marcha (ou de consulta externa) e sem qualquer dispêndio para a P.M., dado que a terapêutica proposta não está prevista na Assistência Sanitária.”

Quem sabe se esta não terá sido a solução eficaz para a neurose do nosso militar!!!